sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um genocídio chamado de guerra


Sinceramente, não consigo aceitar que o que acontece nos territórios palestinos seja uma guerra, com "ataques e exageros dos dois lados". Será que foram mesmo 12 mil foguetes com grande poder de destruição lançados a partir da Faixa de Gaza nos últimos tempos, como se costuma afirmar por aí – e quase nenhum deles caiu de fato em território israelense? Não se trata então de poder elevado de defesa, mas de Estado quase imbatível, invulnerável, absolutamente bem protegido. Por que os foguetes palestinos são tão desorientados e as bombas israelenses tão certeiras, "cirúrgicas"?
Reforço esse aspecto porque, me parece, trata-se de um discurso muito semelhante ao que se via e ouvia na época da ditadura brasileira: era uma "guerra", o "terrorista" morria em conflito com as "forças da ordem", por coincidência sempre com vários e precisos tiros na cabeça, no peito... Enquanto isso, o assassino estatal saía ileso, sem um arranhão ou ferimento sequer. Vivíamos os tempos do "enfrentamento total com os subversivos, fortemente armados, muito bem treinados, perigosos", mas o "tiro preciso e fatal" era "competência" de um lado só – o da repressão. Apenas para retomar o foco e citar a "batalha" mais recente no Oriente Médio – em oito dias, foram registradas (oficialmente, reconhecidas até mesmo por Israel) 153 mortes, 148 palestinos e 5 israelenses. É uma guerra? Para pensar.
É importante também contextualizar e relembrar a origem do conflito palestino-israelense – a Partilha da Palestina, definida em 1947 pela ONU e que determina a existência de dois Estados livres, independentes e soberanos, jamais foi respeitada por Israel, que desde então age apenas e tão somente, e sistematicamente, institucionalmente, para eliminar os palestinos (ver mapas acima). Será que a gente consegue de fato avaliar o que é viver num território ocupado, submetido a condições animalescas de vida? Fome, miséria, falta de água e de medicamentos, barracas de lona e toda sorte de privações impostas pelo bloqueio israelense?
O nazismo alemão e o apartheid sul-africano, no século XX, foram duas das experiências mais terríveis da História da humanidade, quando flertamos muito de perto com a bestialidade e a barbárie. Pois o Estado de Israel, com apoio de boa parte da população do país (há admiráveis fraturas e resistências, mas a sustentação é também inegável), consegue reunir num só elemento os dois projetos citados. Trata-se de um Estado militarista, expansionista, autoritário, nacionalista (no pior sentido da palavra), que persegue e extermina sistematicamente o povo palestino, segregado e condenado a viver em guetos. E a dita comunidade internacional, Estados Unidos à frente, é conivente com o nazi-apartheid israelense.
Quando há um Estado terrorista e opressor em ação (e a política da direita nacionalista no poder em Israel é de nazi-apartheid), a resistência (inclusive armada) é consequência não só natural, mas desejável, uma forma de ação e luta política considerada inclusive pela carta de fundação da ONU. Foi assim que muitos judeus, dignamente e legitimamente, resistiram ao Holocausto nazista. Sim, há grupos extremistas que atuam nessas franjas e brechas (o Hamas é um deles), e as mortes de israelenses obviamente devem ser lamentadas e recusadas também. Sim, há grupos (minoritários) em Israel que não apoiam o genocídio, que reconhecem os direitos dos palestinos e são favoráveis a um acordo (verdadeiro) de paz. Também penso e defendo que os dois povos devem poder construir suas nações, em amplo sentido – e a estratégia razoável para alcançar esse cenário é a negociação política. Mas, novamente, é preciso considerar o pecado original. E a atuação unilateral e beligerante, sempre, de um Estado.
Trago para cá as reflexões do linguista estadunidense Noam Chomsky: "Israel usa sofisticados jatos e navios de guerra para bombardear densamente campos de refugiados, escolas lotadas, blocos de apartamentos, mesquitas e favelas, atacando uma população que não tem força aérea, não tem Marinha, não tem armas pesadas, nem unidades de artilharia, nem armamento mecanizado, nem comando de controle e sequer um Exército... E ainda chamam isso de guerra. Isso não é guerra, é um genocídio".

Matéria (texto) do site Diário Liberdade

http://www.diarioliberdade.org/mundo/repressom-e-direitos-humanos/33322-um-genoc%C3%ADdio-chamado-de-guerra.html

Estado de Sítio (1972)


O filme do diretor grego Costa-Gavras é um retrato minucioso da participação direta dos Estados Unidos nas ditaduras militares da América Latina nas décadas de 1960 e 1970. Através da história do seqüestro de um norte-americano e um brasileiro pelo grupo guerrilheiro uruguaio Tupamaro, o cineasta denuncia o papel repressivo do governo norte-americano nas ditaduras latino-americanas.

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terça-feira, 20 de novembro de 2012

PC Siqueira, Veja e Classe Média

Quem disse que o Brasil não tem intelectuais, PC siqueira em apenas um vídeo critíca a revista mais reacionária do Brasil e elabora a teoria genial contra os conservadores e além disso da uma aula de cidadania a certos jornalista-ideólogos de classe média.

"Se me desculpa, sim, ser conservador é necessáriamente ser uma coisa ruim, primeiro que o mundo já é uma merda, o mundo sempre foi uma merda, se você quer conservar o mundo de uma forma que ele era uma merda, que dizer que você é uma merda." PC Siqueira


 


 

Ventos da Liberdade (2006)



 Na Irlanda, em 1920, trabalhadores do interior do país se organizam para enfrentar os esquadrões britânicos que chegam para sufocar o movimento pela independência. Cansado de testemunhar tanta brutalidade, Damien, um jovem estudante de medicina, abandona tudo para juntar-se ao irmão Teddy, que já aderiu à luta armada. Quando as táticas não-convencionais dos irlandeses começam a abalar a supremacia dos soldados britânicos, o governo se vê forçado a negociar e os dois lados discutem um acordo de paz. Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2006.

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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Tirania Aliada

"Uma das grandes razões pelas quais "democracia" é uma palavra que significa muito pouco no Oriente Médio foi dada na semana passada.
Gostamos de ver países ocidentais como EUA, França e Inglaterra como atores globais responsáveis que usam sua força para pressionar reformas democráticas em países totalitários. No entanto eles mostram, na periferia do mundo, como sua noção de "democracia" é, digamos, singular.
Semana passada, o Pentágono notificou o Congresso norte-americano sobre o projeto de venda de US$ 6,7 milhões em equipamento militar para a Arábia Saudita. Em 2010, os EUA fecharam uma venda recorde de US$ 60 milhões em equipamentos, muitos deles utilizados para ocupar militarmente o Bahrein a fim de esmagar revoltas que pediam padrões mínimos de democracia.
O fato aberrante aqui é que a Arábia Saudita concorre cabeça a cabeça com a Coreia do Norte para ser o país mais totalitário do mundo.
Monarquia absoluta teocrática sem partidos, sem Constituição, sem Parlamento e sem nem sequer um simulacro de eleição, a Arábia é o país no Oriente Médio que mais brutalmente trata as mulheres, não reconhecendo a elas sequer o estatuto jurídico de pessoa autônoma. Seu sistema legal é tão arcaico que adultério pode ser condenado com pena de morte.
Pode-se dizer que, contrariamente a países como a própria Coreia do Norte e o Irã, uma Arábia Saudita forte-mente armada não representa ameaça a seus vizinhos. Entretanto isso é falso.
Grupos salafistas que atuam na Tunísia e no Egito procurando impor um Estado teocrático, usando métodos cada vez mais violentos, são generosamente financiados pelos sauditas e pelo Qatar.
Por outro lado, desde a invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein, nenhum outro país árabe havia mandado suas tropas para outro país árabe, como fizeram os sauditas para defender a monarquia absoluta do Bahrein. Ou seja, a Arábia é um polo de desestabilização de todo esforço democrático na região.
Vladimir Safatle
Este é, juntamente com Israel, o mais fiel aliado do Ocidente na região. Fato que demonstra a vacuidade do discurso dos direitos humanos quando proferidos por antigas potências coloniais.
Em uma situação normal, o ato de armar os sauditas seria objeto de revolta contra a ausência de limites da "realpolitik" da diplomacia internacional. Ele seria a prova de que o tempo dos discursos vazios sobre direitos humanos não passou. Pois ainda parece valer a lógica bem descrita na suposta declaração de Franklin Roosevelt a respeito do ditador nicaraguense Anastasio Somoza: "Ele pode ser um filho da puta, mas é nosso filho da puta".




Referências

Vladimir Safatle.Tirania Aliada, Folha de São Paulo, 13/11/2012
Safatle é professor de filosofia, escreve na Carta Capital e Folha e comenta o Jornal da Cultura

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Anarquia vs "Anarquismo"

"Um fator que nós achamos ser importante para começar este texto é a distinção entre "anarquia" e "anarquismo". Alguns poderão entender isso como uma pura questão trivial ou semântica, mas para muitos pós-esquerdistas e anarquistas anti-civilização, esta diferenciação é importante. Enquanto o anarquismo serve como um importante ponto de referência histórica do qual se extrai inspirações e lições, ele tem se tornado muito sistemático, fixo e ideológico - tudo o que a anarquia não é. Admitidamente, a anarquia tem muito pouco a ver com a orientação social/política/filosófica do anarquismo e mais a ver com aqueles que se identificam como anarquistas. Sem dúvida, muitos de nossa “linhagem” anarquista ficariam desapontados por esta tendência em solidificar algo que deveria estar sempre fluindo. Os primeiros que se identificaram como anarquistas (Proudhon, Bakunin, Berkman, Goldman, Malatesta e outros) respondiam a seus contextos específicos com suas próprias motivações e desejos específicos. Muito frequentemente, os anarquistas contemporâneos vêem estas pessoas como representantes e fundadores da anarquia, e criam uma atitude do tipo "o que Bakunin faria" (ou melhor, "pensaria") a respeito da anarquia, o que é trágico e potencialmente perigoso. Hoje, os que se identificam como anarquistas "clássicos" se recusam a aceitar qualquer realização em um território desconhecido dentro do anarquismo (ex.: primitivismo, pós-esquerdismo, etc.) ou tendências que têm estado frequentemente em desacordo com a aproximação com o movimento de massa dos trabalhadores (ex.: Individualismo, Niilismo, etc.). Estes anarquistas rígidos, dogmáticos e extremamente não-criativos foram muito longe em declarar que o anarquismo é uma metodologia social/econômica de organizar as classes trabalhadoras. Isso é obviamente um extremo absurdo, mas tais tendências podem ser vistas nas idéias e projetos de muitos anarco-esquerdistas contemporâneos (anarco-sindicalistas, anarco-comunistas, plataformistas, federacionistas, etc.).
O "Anarquismo" como se encontra hoje, é uma ideologia muito esquerdista, a qual nós devemos ir além. Em contraste, a "anarquia" é uma experiência sem forma, fluída e orgânica que abraça visões multifacetadas de libertação tanto pessoal quanto coletiva e sempre aberta. Como anarquistas nós não nos interessamos em formar uma nova estrutura ou conjunto de regras para viver e seguir, por mais "ética" ou "discreta" que pareça ser. Os anarquistas não podem oferecer um outro mundo para as pessoas, mas nós podemos levantar questões e idéias, tentar destruir toda dominação que impede nossas vidas e nossos sonhos e vivermos diretamente conectados com nossos desejos."


Referências

https://www.facebook.com/media/set/?set=a.395465303841386.100190.295808563807061&type=3

Dividocracia


domingo, 11 de novembro de 2012

Pra onde vai o dinheiro do Pré-Sal

 "A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2565/2011, em sua versão do Senado, que prevê a redistribuição dos recursos ("royalties") do petróleo, atualmente destinados principalmente para municípios e estados produtores (tais como o Rio de Janeiro e Espírito Santo).

Plataforma de Extração
 Pela proposta aprovada, estes últimos perdem grande parte destes recursos, que serão destinados principalmente aos entes federados não-produtores.
 A reportagem é do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida, 07-11-2012.
 Tomando-se como base a arrecadação de royalties prevista para o ano de 2012, e deixando-se de lado a parcela de 1/3 destes royalties que o projeto destina para a União, estão em disputa cerca de R$ 18 bilhões anuais, valor este 40 vezes inferior ao gasto com a dívida pública no ano passado. Ou seja: enquanto estados e municípios brigam entre si pelas migalhas, o banquete é servido aos rentistas da dívida pública.
 Interessante observar que grande parte dos royalties pertencentes à União tem sido destinada ao pagamento da dívida pública, contrariando a legislação que obriga a destinação destes recursos para áreas sociais como meio-ambiente e ciência e tecnologia. Tal procedimento já foi considerado irregular pelo Tribunal de Contas da União.
 Foi derrubada a proposta de destinação de parte dos royalties para a Educação. Caso fosse aprovada, seriam obtidos cerca de R$ 13 bilhões anuais para esta área social (cerca de 0,3% do PIB), o que ainda seria insuficiente para se aumentar de 5% para 10% do PIB os recursos desta área social.

 Pré-Sal

Plenário da Câmara dos Deputados
 O projeto também prevê que os royalties da futura exploração do petróleo do Pré-Sal serão equivalentes a 15% do valor da produção. Desta forma, os 85% restantes poderão ficar principalmente com as petroleiras privadas, dado que os poços de petróleo do Pré-Sal serão leiloados (privatizados), sem que tenha sido estabelecido um percentual mínimo do valor da produção que tenha de ser destinado ao governo.
 Outra possível destinação de parte destes 85% seria o "Fundo Social", que terá seus recursos destinados a aplicações financeiras principalmente ao exterior, sendo que somente o rendimento deste  Fundo é que irá para áreas sociais. Se é que haverá rendimento, pois tais recursos podem ser aplicados em papéis que se mostrem "podres" da noite para o dia, como tem ocorrido nesta conjuntura de crise global.

 Dívida dos Estados e Municípios com a União

 Ao mesmo tempo em que brigam entre si por R$ 18 bilhões anuais dos royalties do petróleo, os estados e municípios devem pagar neste ano o triplo disso (R$ 54 bilhões) em juros e amortizações das dívidas com a União, que por sua vez destina estes recursos para o pagamento da própria dívida pública federal.
 Tais dívidas possuem graves indícios de ilegalidades, tais como "juros sobre juros" ("anatocismo", já considerado como ilegal pelo Supremo Tribunal Federal), erros nos cálculos dos juros a pagar, falta de documentos sobre a origem destas dívidas, dentre outros.
 Em suma: os rentistas da dívida pública assistem de camarote os estados e municípios lutarem entre si por migalhas."

Referências

http://www.diarioliberdade.org/brasil/laboral-economia/32940-royalties-estados-brigam-por-migalhas-enquanto-banquete-%C3%A9-servido-aos-rentistas.html

sábado, 10 de novembro de 2012

Terra e Liberdade (Filme)



Filme que aborda a Guerra Cívil Espanhola, os embates entre os anarquistas e facistas em 1936. Uma cooprodução de Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha em 1995. A história se baseia em uma jovem que encontra pertences do avô falecido, um inglês do partido comunista, combatente da guerra civíl. O filme é baseado no romance Lutando na Espanha (Homage to Catalonia).



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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Entrevista: Hakim Bey

  "HIGH TIMES: Hakim, de onde você é?

HAKIM BEY: Bem, a informação padrão (que é tudo que eu falo) é que eu era um poeta da corte de um principado sem nome no norte da Índia, que eu fui preso na Inglaterra por um atentado anarquista a bomba e que eu vivo em Pine Barrens, Nova Jersey, em um trailer da Airstream(2). Quando eu venho a Nova York eu fico num hotel em Chinatown.

HT: O que é a Zona Autônoma Temporária?

HB: A Zona Autônoma Temporária é uma idéia que algumas pessoas acham que eu criei, mas eu não acho que tenha criado ela. Eu só acho que eu pus um nome esperto em algo que já estava acontecendo: a inevitável tendência dos indivíduos de se juntarem em grupos para buscarem liberdade. E não terem que esperar por ela até que chegue algum futuro utópico abstrato e pós-revolucionário.
A questão é: como os indivíduos em grupos maximizam a liberdade sob as situações dos dias de hoje, no mundo real? Eu não estou perguntando como nós gostaríamos que o mundo fosse, nem naquilo em que nós estamos querendo transformar o mundo, mas o que podemos fazer aqui e agora. Quando falamos sobre uma Zona Autônoma Temporária, estamos falando em como um grupo, uma coagulação voluntária de pessoas afins não-hierarquizada, pode maximizar a liberdade por eles mesmos numa sociedade atual. Organização para a maximização de atividades prazeirosas sem controle de hierarquias opressivas.
Existem pontos na vida de todos que as hierarquias opressivas invadem numa regularidade quase diária; você pode falar sobre educação compulsória, ou trabalho. Você é forçado a ganhar a vida, e o trabalho por si só é organizado como uma hierarquia opressiva. Então a maioria das pessoas, todos os dias, tem que tolerar a hierarquia opressiva do trabalho alienado.
Por essa razão, criar uma Zona Autônoma Temporária significa fazer algo real sobre essas hierarquias reais e opressivas – não somente declarar nossa antipatia teórica a essas instituições. Você vê a diferença que eu coloco aqui?
No aumento da popularidade do livro, muitas pessoas se confundiram com esse termo e usaram ele como um rótulo para todo o tipo de coisa que ele realmente não é. Isso é inevitável, uma vez que o próprio vírus da frase está solto na rede (para usar metáforas de computadores). Se as pessoas usam erroneamente ele ou não isso não é tão importante, porque o significado está incrustado no termo. É como um vírus verbal. Ele diz o que significa.

HT: Uma Zona Autônoma Temporária necessariamente se abstém do uso do dinheiro?

HB: Isso é difícil em uma situação real, mas pode acontecer. O Rainbow Gathering (3), por exemplo, se abstém do uso do dinheiro. Isso é quase que uma garantia de um grau muito maior de autonomia temporária para as pessoas que estão participando.
Eles na realidade aumentam seu prazer saindo fora da economia de dinheiro/mercadorias.

HT: A imprensa ligou o fenômeno TAZ ao movimento cyberpunk. Você acha que a Internet é uma Zona Autônoma Temporária?
HB: Não. Um mal entendido muito peculiar veio à tona. A revista Time fez uma matéria sobre o ciberespaço que me citou erroneamente - o que me deixou particularmente feliz. Se a Time entendesse o que eu estava falando, eu seria forçado a reestruturar toda minha filosofia, ou talvez desaparecer pra sempre em desgraça.
Eles diziam que o ciberespaço era uma Zona Autônoma, e eu não concordo. Enfaticamente não concordo. Eu acho que a liberdade inclui o corpo. Se o corpo está em um estado de alienação, então a liberdade não é completa em nenhum sentido. O Ciberespaço é um espaço sem corpo. Ele é, de fato, um espaço abstrato e conceitual. Não existe cheiro nele, nem gosto, nem sentimento e nem sexo. Se qualquer uma dessas coisas existe lá, são apenas simulacros dessas coisas e não elas mesmas.
A única coisa que a Internet ou o cIberespaço podem ter com relação à Zona Autônoma Temporária é que eles são instrumentos ou “armamento” para alcançar a liberdade. Então é importante trabalhar para proteger as liberdades de expressão e comunicação que estão abertas neste exato momento pela Internet contra o FBI e Clinton e a “Infobahn” (um bom termo em alemão para designar a auto-estrada da informação). Cuidado para não ser atropelado na Infobahn! Comunicando-se por uma BBS(4), um grupo pode planejar um festival de maneira muito mais eficaz, alguma coisa como um Rainbow Gathering, estruturado nas chances para maximizar o potencial para o surgimento de uma TAZ real. A Internet também pode ser usada para montar uma rede econômica alternativa genuína. Trocas e permutas trilhadas na Internet em comunicações privilegiadas.

HT: Você pode explicar o “Terrorismo Poético”?

HB: Por terrorismo poético eu entendo ações não-violentas em larga escala que podem ter um impacto psicológico comparável ao poder de um ato terrorista - com a diferença de que o ato é de mudança de consciência. Digamos que você tem um grupo de atores de rua. Se você chamar o que você está fazendo de “performance de rua”, você já criou uma divisão entre o artista e a audiência, e você alienou de si mesmo qualquer possibilidade de colidir diretamente nas vidas diárias da audiência. Mas se você pregar uma peça, criar um incidente, criar uma situação, pode ser possível persuadir as pessoas a participar e a maximizar sua liberdade. É uma estranha mistura de ação clandestina e mentira (que é a essência da arte) com uma técnica de penetração psicológica de aumento da liberdade, tanto no nível individual quanto no social.

HT: Você pode fazer algumas sugestões especial ao leitor da HIGH TIMES para criar uma TAZ?

HB: Ok, tudo bem. Eu gostaria de dizer isso ao movimento canabista, e, em um nível mais amplo, eu gostaria de direcionar isto ao movimento libertário em geral, que é um aliado próximo, cruza e tem áreas de contingência com o movimento canabista.
Se os Libertários tivessem gasto os últimos quinze anos organizando redes econômicas alternativas para potencializar a emergência de uma Zona Autônoma Temporária e levá-la rumo a uma Zona Autônoma Permanente, ao invés de jogar o jogo fútil das políticas de terceiros, que é uma posição fracassada desde o início; se o movimento canabista tivesse colocado sua energia nos últimos quinze anos na organização de redes econômicas alternativas, não necessariamente baseadas em trocas “criminosas” de dinheiro por maconha mas nas necessidades e possibilidades básicas da vida real; se toda essa energia fosse direcionada nesse sentido, ao invés do que parece para mim uma quimera total, um fantasma totalmente abstrato chamado “poder político democrático legislativo” - então eu penso que estaríamos há muito no caminho claro da mudança revolucionária nessa sociedade.
Nessas circunstâncias, toda essa boa intenção e grande energia foi mal direcionada em um jogo - um jogo em que a autoridade cria as regras, e nas quais “eles” criaram as regras para que pessoas como eu e você não possam ganhar poder dentro desse sistema.
Agora isto é uma crítica anarquista que eu estou fazendo, com os motivos mais camaradas possíveis. Eu acho que é uma tragédia essa energia ter sido mal direcionada. Eu não acho que é tarde demais para acordar e ver o que está na verdade acontecendo(5) aqui.
Outro ponto que eu gostaria de falar é que a HIGH TIMES foi particularmente culpável durante a última eleição, quando conclamou seus leitores (incluindo uma grande porcentagem de usuários de maconha nesse país) a votar naquele Clinton filho da puta, baseado em um rumor extremamente suspeito: de que Al Gore, um conhecido mentiroso, hipócrita e embusteiro, cochichou pra alguns ativistas da maconha que ele estava do lado deles. E por isso, presumivelmente, milhares, se não milhões, de fumantes de maconha saíram e votaram em um outro bando de filhos da puta, se esquecendo toda a sabedoria do antigo slogan anarquista, “nunca vote, isso só encoraja os bastardos.”
Eu vou fazer uma aposta agora. Eu como a edição da revista em que isto será impresso se, sob a administração Clinton, existirem quaisquer melhoras na lei relacionada ao uso da cannabis por prazer. Pode haver um pequeno abrandamento no uso da maconha medicinal ou comercial. Mas não haverá abrandamento - de fato, somente haverá uma maior regulação - no uso da erva por prazer. Ok? E se isso não for verdade, eu como a porra da revista com uma merda de um leite e um açúcar.

HT: Isso seria um ato de terrorismo poético?

HB: Heh, heh.

HT: Você acha que o movimento canabista é contraproducente em alguns aspectos?

HB: Antes de qualquer crítica, eu preciso enfatizar que eu pertenço a uma religião em que a maconha é um sacramento, e eu sou um defensor vitalício de ações pró-maconha. Eu uso o termo “ação” ao invés de “legalização” por uma razão muito específica, na qual eu vou chegar. Daí eu ofereço crítica em um espírito construtivo. Eu quero que isso fique bem claro, como Nixon costumava dizer.
Nos anos em que vêm existindo um movimento pela legalização da maconha, todas as leis desse país ficaram piores e mais opressivas. No tempo em que vêm existindo um movimento de legalização da maconha, o preço da erva ficou proibitivamente caro por causa da Guerra às Drogas. Existe aí uma relação direta entre a Guerra às Drogas e o movimento pela legalização da maconha? Provavelmente não muita. Porém, tagarelar tudo todo o tempo e fazer tudo aberto, deixando as estatísticas e listas de discussões disponíveis para as agências de inteligência e outras não é uma tática boa quando você está na verdade lidando com uma substância ilegal.
Eu acho que temos um complexo de mártir nessa situação. Existem pessoas que querem confrontamento contra uma projeção psicológica do que eles acham que é a “autoridade”. Em outras palavras, contra quem é relativo à autoridade de um jeito autoritário. Simplesmente por desafiarem abertamente essa autoridade, eles estão se definindo como criminosos e vítimas do estado.

HT: Você acha que eles poderiam usar um pouco de terrorismo poético?

HB: Eu acho que eles poderiam usar um pouco de clandestinidade sensata e um pouco do senso do terrorismo poético, sim.

HT: Você escreveu extensamente sobre os tongs(6), as sociedades secretas Chinesas. Você diria que a economia underground da maconha é organizada de forma semelhante aos tongs?

HB: Absolutamente, é organizada como uma soma, como uma... bem, não é organizada como uma soma de tongs, e é isso que é o problema. O ponto é que um tong é uma sociedade secreta. E isto, novamente, é algo que não é somente uma fantasia; é algo real. Um grupo de amigos com afinidades que se junta para intensificar seu prazer e liberdade por meios que não sejam reconhecidos como legais pela sociedade criou inconscientemente uma tong. O que eu acho que eles poderiam fazer é conscientemente criar uma tong. O que nós precisamos aqui é uma estética e uma tradição de sociedades clandestinas não-hierárquicas.
Como nós organizamos verdadeiras redes secretas de permuta? Mas também, como nós criamos uma poética desta situação, como nós fazemos disto algo que funcione não somente num nível econômico prático, mas também num nível imaginário, onde os corações das pessoas estão comprometidos?

HT: Uma comunidade.

HB: Eu iria além, ao usar o termo de Paul Goodman, communitas, para mostrar que nós estamos falando sobre algo que é mais que um arranjo a esmo, mas realmente um objetivo pela qual nós estamos nos esforçando.
Eu vejo a Zona Autônoma Temporária como o florescimento temporário do sucesso dessas redes. O que nós estamos esperando é que as estruturas não hierárquicas atuais maximizem seu potencial para o surgimento de uma TAZ.
Vamos falar sobre as redes como uma espécie de subsolo rico em micélios que são por si só o corpo verdadeiro da planta. E ele pode se espalhar por milhas, como você sabe. Os cogumelos que aparecem, os frutos - eles são como uma Zona Autônoma Temporária, esses são as florescências da rede, se eu consigo fazer aqui minha metáfora botânica.
Uma das formas mais óbvias de florescimento é o festival: a rave, o Rainbow Gathering, os festivais Zippies(7) e coisas como o festival Burning Man(8) em Nevada - esses tipos de festivais espontâneos, não regulados, não mercantilizados, que aparecem.

HT: Mas talvez eles tenham vidas, “vidas de prateleira”(9) - só uma certa quantidade de tempo quando eles podem criar e florescer.

HB: Existem algumas coisas que são inerentemente temporárias. E existem outra coisas que são temporárias somente porque não somos fortes o suficiente para fazê-las permanentes. Digamos que você se instala por alguns meses em um lugar bonito perto de uma floresta, na beira de um lago, no verão, com alguns amigos e você tem uma TAZ verdadeira. Erotismo e beleza natural e liberdade pra correr pelado por aí e fumar maconha ou fazer o que você quiser. Mas como isto tudo é movido pelo dinheiro que as pessoas têm que fazer no mercado onde elas vendem o trabalho, isto pode durar somente um certo tempo. Nós gostaríamos de fazer isto durar para sempre, transformado a TAZ em uma PAZ, uma Zona Autônoma Permanente (Permanent Autonomous Zone). Nós não temos o poder econômico para fazer isto. É temporário somente porque nos falta o poder para fazermos isto mais permanente.
Outras coisas são claramente temporárias, e devem ser apreciadas pela sua temporalidade. Quando a essência saiu delas nós devemos perceber isto, e deixar esta forma em busca de outras formas. Então uma certa quantidade do que vem sendo chamado de “trabalho de flutuação” é necessário. Você tem que estar sintonizado com onde a liberdade e o prazer estão sendo potencializados e onde não estão, para que você possa espontaneamente se manter flutuando e ficar à frente desse fenômeno. Isso é exatamente o que hordas de pessoas estão fazendo por aí: velhos camaradas em rv´s(10), caras novos viajando clandestinamente, está tudo acontecendo. Não estou descrevendo um esquema utópico, é o que está acontecendo de qualquer jeito. Tenhamos consciência disso. Vamos perceber que isso é um verdadeiro valor, porque faz algo por nossas vidas, diferentemente de todo essa jogatina política estúpida.
Nós somos constantemente seduzidos a colocar nossas forças e nosso amor e nossa criatividade em objetivos que são imediatamente reocupáveis e cooptáveis e mercantilizáveis por “eles”. Isso devia parar.

HT: Eu vejo pessoas tendo problemas para comunicar-se com outras porque elas estão acostumadas a se falar pela televisão. Então, quanto você está trabalhando em uma comunidade, o primeiro passo para criar uma TAZ seria a comunicação.

HB: Absolutamente. As pessoas estão alienadas pela mídia. Isso é algo que tem que ser repetido constantemente. Quanto mais você se relaciona com os meios, menos você se relaciona com outros seres humanos em sua proximidade física. Novamente, isso não é uma grande teoria, isto é algo que simplesmente está acontecendo. Você gasta mais tempo vendo TV, você gasta menos tempo se relacionando com seus amigos. E quando isto se espalha em nível social, você começa a ver algumas coisas muito estranhas ocorrendo. A corrente tem mais força que qualquer participação individual na corrente. Existe uma sinergia negativa, um efeito de realimentação negativa por meio do qual sua alienação de outras pessoas está sendo causada por televisões e rádios e filmes e jornais e livros. Eu certamente não isento os impressos dessa crítica. E subitamente você descobre que não é somente uma questão de alienação, é uma questão de miserabilidade. Essa separação de você da realidade física está fazendo você miserável.
Muitas pessoas chegaram a esse ponto. Eles não sabem o que fazer porque nós não estamos dando a eles uma direção. Digo, radicais fumantes de maconha não estão dando a eles uma alternativa clara e realista, mas ao invés disso estão sonhando acordados com várias merdas de New Age e estilo de vida.

HT: Onde as pessoas podem achar Zonas Autônomas Temporárias às quais você estaria disposto a dizer quando e onde encontrar?

HB: Eu não posso - porque elas não existem precisamente em mapas com coordenadas cartesianas. Existem outras dimensões que não os mapas onde as Zonas Autônomas Temporárias podem ser achadas. Eu gosto de metaforizar estas dimensões como dimensões fractais, o que traz toda a questão de caos e complexidade. E uma das razões pelas quais eu não posso te dar nenhum indicativo é porque essa é uma situação fractal carregada de complexidade. A qualquer momento uma TAZ pode ocorrer. Em um nível mínimo, um jantar na casa de alguém pode repentinamente evoluir em uma TAZ. Não qualquer jantar, mas o potencial está lá porque é organizado de uma maneira não hierárquica, para convivência. E, em um nível máximo, você teve Zonas Autônomas Temporárias que duraram muito mais, onde a festa na realidade continuou por alguns anos. Quando estamos falando sobre a Zona Autônoma Temporária, per se, como nodos realmente intensos de consciência e ação, é possível que os seres humanos não possam aguentar muito disso. Talvez dezoito meses ou dois anos de festa contínua seja tudo que alguém pode aguentar.

HT: Bem, eu conheço algumas pessoas...

HB: Claro! Mas nós podemos falar de Zonas Autônomas Permanentes, você sabe, o que é um conceito diferente.

HT: Você chamaria o Rainbow Gathering de Zona Autônoma Permanente?

HB: Eu chamo ele de Zona Autônoma Periódica, o que é ainda outra variação dessa idéia. Existem certas Zonas Autônomas que você não pode manter o tempo todo, mas que você pode realizar com uma certa freqüência constante, e os festivais anuais são os exemplos. O que nós temos que fazer é evitar a mercantilização. Preciso dizer algo mais desse assunto? Ok?
O festival é um momento intenso, mas periódico. É momentâneo, mas periódico. Assim como no Rainbow, não é realmente necessário ser dono da propriedade, como eles inteligentemente descobriram. Qualquer grupo de pessoas na América pode fazer isso. Você não precisa se juntar às tribos Rainbow e seguir seu estilo de vida (que eu particularmente não acho atrativo). Você só faz um encontro em uma floresta nacional e monta sua tenda fora da linha de visão, ou você pega um lugar onde tenham poucos ursos.
No festival Burning Man, o guarda florestal mais próximo está a 75 milhas de distância, e eles converteram ele a um amigo e defensor do festival, de qualquer jeito. É organizado por alguns artistas da Califórnia que vão para a pior parte do deserto de Nevada, só um mar de areia preta até onde a vista alcança, e eles fazem uma estátua gigantesca de um homem de vime, então no último dia do festival eles ateiam fogo a ele e todo mundo bebe um monte de cerveja e vê ele queimar. É um tremendo sucesso e está sendo repetido sempre com uma periodicidade anual. As pessoas amam isto. Um jornal é impresso no lugar, uma mini estação de rádio FM é montada cada ano e todos os tipos diferentes de pessoas vêm, de caras que moram isolados em rvs a ciclistasa hippies, o pessoal “flower” e o pessoal Rainbow e os hobos(11) e artistas da Califórnia. E todo mundo se diverte muito, e então eles arrumam as malas e vão embora e esse é o fim daquilo, e o guarda florestal não incomoda eles porque está a 75 milhas de distância e ele gosta daquilo de qualquer jeito porque eles deixam o lugar limpo. Então qualquer um pode fazer isso. Você não precisa esperar pela permissão de alguma autoridade tribal.

HT: Criar uma TAZ é quase como criar o seu próprio espaço autônomo livre em você mesmo.

HB: Eu fico repetindo a frase “maximize o potencial para o aparecimento”. Eu sei que é uma frase meio grotesca e complicada, mas ela precisa ser sempre inserida em qualquer frase que nós falemos aqui. Você não pode declarar uma TAZ. Ou, se você pode, você é um mágico muito mais eficiente do que eu. Você simplesmente não pode decidir ter uma TAZ. Uma TAZ é algo que acontece espontaneamente. Quando de repente você diz, uau, sabe, tem N pessoas aqui, mas tem N mais N energia, excitação, prazer, liberdade, consciência. Certo? Esse momento de sinergia de corrente cruzada acontece quando um grupo de pessoas está tendo algo mais de uma situação que a soma do que os indivíduos estão colocando nisto. Você não pode prever isto. Tudo o que você pode fazer é maximizar o potencial para o aparecimento."

Referências 

http://metamorficus.blogspot.com.br/2007/11/entrevista-com-hakim-bey.html. acessado 02/11/2012