sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CAPÍTULO 7 : A Ânsia De Poder Como Desaparecimento

FOUCAULT, BAUDRILLARD, ET AL. têm discutido à exaustão vários modos de "desaparecimento". Aqui eu gostaria de sugerir que a TAZ é, em certo sentido, uma tática de desaparecimento.
Quando os teóricos discursam sobre o desaparecimento do social, eles se referem, em parte, à impossibilidade da "Revolução Social", e em parte à impossibilidade do "Estado" - o abismo do poder, o fim do discurso do poder. Neste caso, a questão anarquista deveria ser: Por que se importar em enfrentar um "poder" que perdeu todo o sentido e se tornou pura Simulação? Tais confrontos resultarão apenas em perigosos e terríveis espasmos de violência por parte dos cretinos cheios de merda na cabeça que herdaram as chaves de todos os arsenais e prisões. (Talvez isso seja uma grotesca interpretação americana de uma sublime e sutil teoria francogermânica. Se for, tudo bem: quem foi que disse que a compreensão era necessária para se usar uma ideia?) A partir da minha interpretação, o desaparecimento parece ser uma opção radical bastante lógica para o nosso tempo, de forma alguma um desastre ou uma declaração de morte do projeto radical. Ao contrário da interpretação niilista e mórbida da teoria, a minha pretende miná-la em busca de estratégias úteis para a contínua "revolução de todo dia": a luta que não pode cessar mesmo com o fracasso final da revolução política ou social,
porque nada, exceto o fim do mundo, pode trazer um Fim para a vida cotidiana, ou para as nossas aspirações pelas coisas boas, pelo Maravilhoso. E, como disse Nietzsche, se o mundo pudesse chegar a um fim, logicamente já o teria feito, e se não o fez é porque não pode. E assim como disse um dos
sufis, não importa quantas taças do vinho proibido nós bebamos, carregaremos essa sede violenta até a eternidade. Zerzan e Black, independentemente um do outro, notaram "elementos de recusa" (para usar um termo de Zerzan) que, de alguma forma, talvez possam ser percebidos como sintomáticos de uma cultura radical de desaparecimento, parcialmente inconsciente e parcialmente consciente, que influencia mais pessoas do que qualquer idéia anarquista ou de esquerda. Esses gestos são feitos contra  instituições, e nesse sentido são "negativos" - mas cada gesto negativo também sugere uma tática "positiva" para substituir, em vez de simplesmente refutar, a instituição desprezada. Por exemplo, o gesto negativo contra o ensino é o "analfabetismo voluntário". Como eu não compartilho da adoração que os liberais sentem pela alfabetização como uma forma de melhoria social, não posso concordar
com os suspiros de desalento ouvidos por toda parte por causa desse fenômeno: simpatizo com as crianças que se recusam a ler livros e todo o lixo contido neles. Porém existem alternativas positivas que fazem uso da mesma energia de desaparecimento. A educação oferecida em casa e o aprendizado de um ofício, tanto quanto a vadiagem, resultam na ausência da prisão escolar. Hacking é outra forma de "educação" com certas características de "invisibilidade". Um gesto negativo em grande escala contra a política consiste simplesmente em não votar. A "apatia" (ou seja, um saudável sentimento de
tédio para com o Espetáculo desgastado) mantém mais da metade da nação longe das eleições. O anarquismo nunca conseguiu tanto! (Nem o anarquismo teve qualquer coisa a ver com o fracasso do último censo.) Novamente, existem paralelos positivos: a formação de redes de conexões, como uma alternativa para a política, é praticada em muitos níveis da sociedade, e organizações não-hierárquicas têm conseguido bastante popularidade mesmo fora do movimento anarquista, simplesmente porque
essas redes funcionam. (ACT UP e Earth First! são dois exemplos. Os Alcoólicos Anônimos,  estranhamente, é outro.) A recusa do Trabalho pode tomar a forma de vadiagem, embriaguez em serviço, sabotagem e pura falta de atenção, mas também pode originar novos modos de rebelião: mais empregos de autônomos, maior participação da economia "informal" e lavoro nero, fraudes no
sistema previdenciário e outras opções criminosas, cultivo de maconha etc. - atividades mais ou menos invisíveis se comparadas com as táticas de confronto tradicionais da esquerda, tal como a greve geral.
Recusa da Igreja? Bem, o "gesto negativo" nesse caso provavelmente consiste em... assistir televisão. Mas as alternativas positivas incluem todo tipo de formas não-autoritárias de espiritualidade, desde o
cristianismo "sem igreja" até o neo-paganismo. As "religiões livres", como eu gosto de chamá-las - pequenas, autogeradas, com cultos meio sérios/meio divertidos influenciados por correntes como o discordismo e o taoísmo anárquico - estão sendo fundadas por toda a América marginal e oferecem
um crescente "quarto caminho" longe das igrejas dominantes, dos fanáticos televangelistas e do consumismo insípido do New Age. Podemos dizer também que a principal recusa da ortodoxia consiste na construção de "moralidades privadas", no sentido dado por Nietzsche: a espiritualidade dos
"espíritos livres". A recusa negativa do Lar é ser sem teto, o que muitos, não querendo ser forçados ao nomadismo, consideram uma forma de vitimização. Mas, "não ter teto" pode, num certo sentido, ser uma virtude, uma aventura - pelo menos é isso o que parece ao enorme movimento internacional dos posseiros urbanos, nossos andarilhos modernos. A recusa negativa da Família obviamente é o divórcio, ou algum outro sintoma de "rompimento". A alternativa positiva surge com a percepção de que a vida pode ser mais feliz sem a família nuclear, e em consequência disso uma centena de flores desabrocham - desde pais solteiros a casamentos em grupo e grupos de afinidade erótica. O "projeto europeu" trava uma grande batalha reacionária a favor da "família" - a miséria edipiana se esconde no coração do Controle. Existem alternativas, mas elas devem permanecer ocultas, especialmente depois da guerra contra o sexo nos anos 80 e 90.
O que é a recusa da Arte? O "gesto negativo" não é encontrado no tolo niilismo de uma "greve de arte", ou na desmoralização de algumas pinturas famosas, mas sim no tédio quase universal que se abate sobre a maioria das pessoas na simples menção da palavra "arte". Mas qual seria o "gesto positivo"? Seria possível imaginar uma estética que não se comprometa, que se remova da História e mesmo do Mercado? Ou que ao menos tenda a fazer isso? Que queira substituir a representação pela
presença? Como a presença pode se fazer perceber mesmo na (ou através da) representação?
O "caos linguístico" aspira por uma presença que desaparece de forma progressiva de todas as estruturações de linguagem e sistemas de significação. Uma presença elusiva, evanescente, latif ("sutil", um termo usado pela alquimia sufi): o Estranho Atrator ao redor do qual mneme advém, caoticamente formando novas e espontâneas ordens. Nesste ponto encontramos a estética da fronteira entre o caos e a ordem, a margem, a área de "catástrofe", onde o desmoronamento do sistema pode significar
iluminação. (Nota: para uma explicação do que é "Caos Linguístico", leia o Apêndice A, e então por favor releia este parágrafo.) Em termos situacionistas, desaparecimento do artista É "a supressão e a realização da arte". Mas de onde nós desaparecemos? E algum dia seremos vistos ou ouvirão falar de nós outra vez? Iremos para Croatã: qual é o nosso destino? Toda a nossa arte consiste em uma mensagem de adeus para a história - "Fomos para Croatã" - mas onde é isso, e o que
faremos lá? Em primeiro lugar: não estamos nos referindo a um desaparecimento literal do mundo e do futuro: nenhuma fuga para o passado, para uma "sociedade original de lazer" paleolítica; nenhuma utopia eterna, nenhum esconderijo na montanha, nenhuma ilha; e, também, nenhuma utopia pós-revolucionária - provavelmente nenhuma revolução! - e também nenhuma estação espacial anarquista. Nem aceitamos uma "desaparição baudriliardiana" no silêncio de uma ironia hiper-conformista. Não pretendo provocar discussões com os Rimbauds que fogem da Arte para qualquer Abissínia que logram encontrar. Mas não podemos construir uma estética, nem mesmo uma estética do desaparecimento, com a simples ação de nunca mais voltar. Ao dizer que não fazemos parte da vanguarda e que não há vanguarda, nós escrevemos nosso "Fomos para Croatã". E então a questão passa a ser: como conceber "a vida cotidiana" em Croatã? Especialmente se não podemos dizer que Croatã existe no Tempo (Idade da Pedra ou Pós-Revolução) ou no Espaço, seja na forma de uma utopia ou em algum vilarejo esquecido no meio-oeste ou na Abissínia. Onde e quando
existe o mundo da criatividade não-mediada? Se ele pode existir, ele existe, mas talvez apenas como algum tipo de realidade paralela que até agora não pudemos perceber. Onde poderíamos encontrar as sementes - ervas daninhas brotando entre as rachaduras das nossas calçadas - desse outro mundo para
nosso mundo? As pistas, a direção correia? Um dedo apontando para a lua? Acredito, ou ao menos gostaria de propor, que a única solução para a "supressão e realização" da arte está na emergência da TAZ. Rejeito veementemente a crítica que diz que a própria TAZ não é "nada além" de uma obra de arte, muito embora ela possa vestir alguns de seus enfeites. Eu sugiro que a TAZ é o único "lugar" e "tempo" possível para a arte acontecer pelo mero prazer do jogo criativo, e como uma contribuição real para as forças que permitem que a TAZ se forme e se manifeste. A arte no Mundo da Arte tornou-se uma mercadoria. Porém, ainda mais complexa é a questão da representação em si, e a recusa de toda
mediação. Na TAZ, arte como uma mercadoria será simplesmente impossível. Ao contrário, a arte será uma condição de vida. A mediação é difícil de ser superada, mas a remoção de todas as barreiras entre artistas e "usuários" da arte tenderá a uma condição na qual (como A.K. Coomaraswamy escreveu) "o artista não é um tipo especial de pessoa, mas toda pessoa é um tipo especial de artista". Em suma: o desaparecimento não é necessariamente uma "catástrofe", exceto no sentido matemático de "uma repentina mudança topológica". Todos os gestos positivos aqui esboçados parecem envolver vários graus de invisibilidade em vez da confrontação revolucionária tradicional. A New Left nunca acreditou realmente em sua própria existência até que viu seu nome no jornal. A Nova Autonomia, por sua vez,
ou conseguirá infiltrar-se na mídia e "subvertê-la" desde dentro, ou nunca será "vista". A TAZ não existe apenas além do Controle, mas também além da definição, além do olhar e da nomenclatura como atos de escravização, além da possibilidade de compreensão do Estado, além da capacidade
perceptiva do Estado.