sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CAPÍTULO 2 : Esperando Pela Revolução

 Como é que o mundo "virado-de-cabeça-para-baixo" sempre acaba se endireitando? Por quê, como estações no Inferno, após a revolução sempre vem uma reação? Levante e insurreição são palavras usadas pelos historiadores para caracterizar revoluções que fracassaram - movimentos que não chegaram a terminar seu ciclo, a trajetória padrão: revolução, reação, traição, a fundação de um Estado mais forte e ainda mais opressivo -, a volta completa, o eterno retorno da história, uma e outra vez mais, até o ápice: botas marchando eternamente sobre o rosto da humanidade.
 Ao falhar em completar esta trajetória, o levante sugere a possibilidade de um movimento fora e além da espiral hegeliana do "progresso", que secretamente não passa de um ciclo vicioso. Surgo: levante, revolta. Insurgo: rebelar-se, levantar-se. Uma ação de independência. Um adeus a essa miserável paródia da roda kármica, histórica futilidade revolucionária. O slogan "Revolução!" transformou-se de sinal de alerta em toxina, uma maligna e pseudo-gnóstica armadilha-dodestino, um pesadelo no qual, não importa o quanto lutamos, nunca nos livramos do maligno ciclo infinito que incuba o Estado, um Estado após o outro, cada "paraíso" governado por um anjo ainda mais cruel.
 Se a História É "Tempo", como declara ser, então um levante é um momento que surge acima e além do Tempo, viola a "lei" da História. Se o Estado É História, como declara ser, então o levante é o momento proibido, uma imperdoável negação da dialética como dançar sobre um poste e escapar por uma fresta, uma manobra xamanística realizada num "ângulo impossível" em relação ao universo.
 A História diz que uma Revolução conquista "permanência", ou pelo menos alguma duração, enquanto o levante é "temporário". Nesse sentido, um levante é uma "experiência de pico" se comparada ao padrão "normal" de consciência e experiência. Como os festivais, os levantes não podem acontecer todos os dias - ou não seriam "extraordinários". Mas tais momentos de intensidade moldam e dão sentido a toda uma vida. O xamã retorna - uma pessoa não pode Ficar no telhado para sempre - mas algo mudou, trocas e integrações ocorreram - foi feita uma diferença.
 Poderia se dizer que essa é uma postura de desespero. O que foi feito do sonho anarquista, do fim do Estado, da comuna, da zona autônoma com duração, da sociedade livre, da cultura livre? Devemos abandonar esta esperança em troca de um acte gratuit existencialista? A ideia não é mudar a consciência, mas mudar o mundo.
 Aceitaria isso como uma crítica justa. No entanto, daria duas respostas. Primeiro, a revolução até hoje não nos levou à concretização desse sonho. A visão ganha vida no momento do levante - mas assim que a "Revolução" triunfa e o Estado retorna, o sonho e o ideal já estão traídos. Não deixo de ter esperança, nem deixo de ansiar por mudanças - mas desconfio da palavra revolução. Em segundo lugar, mesmo se substituirmos a abordagem revolucionária pelo conceito de levante transformando-se espontaneamente numa cultura anarquista, a nossa situação histórica específica não é propícia para tarefa tão vasta. Absolutamente nada, além de um martírio inútil, poderia resultar de um confronto direto com o Estado terminal, esta megacorporação/Estado de informações, o império do Espetáculo e da Simulação. Todos os seus revólveres estão apontados para nós. Por outro lado, com nosso armamento miserável, não temos em que atirar, a não ser numa histerese, num vazio rígido, num fantasma capaz de transformar todo lampejo num ectoplasma de informação, uma sociedade de capitulação regida pela imagem do policial e pelo olho absorvente da tela de TV.
 Em resumo, não queremos dizer que a TAZ é um fim em si mesmo, substituindo todas as outras formas de organização, táticas e objetivos. Nós a recomendamos porque ela pode fornecer a qualidade do enlevamento associado ao levante sem necessariamente levar à violência e ao martírio. A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la. Uma vez que o Estado se preocupa primordialmente com a Simulação, e não com a substância, a TAZ pode, em relativa paz e por um bom tempo, "ocupar" clandestinamente essas áreas e realizar seus propósitos festivos. Talvez algumas pequenas TAZs tenham durado por gerações - como alguns enclaves rurais - porque passaram desapercebidas, porque nunca se relacionaram com o Espetáculo, porque nunca emergiram para fora daquela vida real que é invisível para os agentes da Simulação.
 A Babilônia toma suas abstrações como realidades. É precisamente dentro dessa margem de erro que a TAZ surge. Iniciar a TAZ pode envolver várias táticas de violência e defesa, mas seu grande trunfo
está em sua invisibilidade - o Estado não pode reconhecê-la porque a História não a define. Assim que a TAZ é nomeada (representada, mediada), ela deve desaparecer, ela vai desaparecer, deixando para trás um invólucro vazio, e brotará novamente em outro lugar, novamente invisível, porque é indefinível pelos termos do Espetáculo. Assim sendo, a TAZ é uma tática perfeita para uma época em que o Estado é onipresente e todo-poderoso mas, ao mesmo tempo, repleto de rachaduras e fendas. E, uma vez que a TAZ é um microcosmo daquele "sonho anarquista" de uma cultura de liberdade, não consigo pensar em tática melhor para prosseguir em direção a esse objetivo e, ao mesmo tempo, viver alguns de seus benefícios aqui e agora.
 Em suma, uma postura realista exige não apenas que desistamos de esperar pela "Revolução", mas também que desistamos de desejá-la. "Levantes", sim - sempre que possível, até mesmo com o risco de violência. Os espasmos do Estado Simulado serão "espetaculares", mas na maioria dos casos a tática mais radical será a recusa de participar da violência espetacular, retirar-se da área de simulação, desaparecer.
 A TAZ é um acampamento de guerrilheiros ontologistas: ataque e fuja. Continue movendo a tribo inteira, mesmo que ela seja apenas dados na web. A TAZ deve ser capaz de se defender; mas, se possível, tanto o "ataque" quanto a "defesa" devem evadir a violência do Estado, que já não é
uma violência com sentido. O ataque é feito às estruturas de controle, essencialmente às ideias. As táticas de defesa são a "invisibilidade", que é uma arte marcial, e a "invulnerabilidade", uma arte "oculta" dentro das artes marciais. A "máquina de guerra nômade" conquista sem ser notada e se move antes do mapa ser retificado. Quanto ao futuro, apenas o autônomo pode planejar a autonomia, organizar-se para ela, criá-la. E uma ação conduzida por esforço próprio. O primeiro passo se assemelha a um satori - a constatação de que a TAZ começa com um simples ato de percepção.